“Caminhos para o Brasil pós-COP27” foi tema do webinário realizado pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais em 29/11. O encontro reuniu especialistas da Academia e do governo paulista que estiveram em Sharm El-Sheikh, Egito, entre 6 e 18 de novembro de 2022. Conforme os organizadores, a participação do país no evento trouxe de volta o protagonismo brasileiro nas negociações internacionais para o combate às mudanças climáticas.
O diretor científico da FAPESP, Luiz Eugênio Mello, abriu o evento lembrando que neste ano a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo completa 60 anos de uma atuação exemplar. “No debate de hoje, a discussão é extremamente relevante porque as mudanças climáticas preocupam qualquer ser vivo, pois as consequências que se antevê são muito preocupantes.”
Segundo ele, a COP27 colocou em discussão quem vai pagar os danos que os países menos desenvolvidos e os menos poluentes sofrem com os eventos climáticos extremos. “Por isso, convidamos interlocutores de diferentes segmentos, porque os impactos são diferentes conforme a região e o nível socioeconômico. Temos de ter diferentes recortes que envolvem diferentes interesses para chegar a uma proposta que represente um consenso. Foi exatamente isso que foi tratado na COP27. É um prazer estar aqui e poder aprender com vocês o que foi discutido lá no Egito.”
Responsável pelo Programa Mudanças Climáticas FAPESP, Paulo Artaxo foi o moderador do debate. “É um prazer participar dessa discussão. A COP27 foi marcada por debates importantes que influenciam a estrutura socioeconômica de todos os países, em especial, países em desenvolvimento como o nosso. O Brasil tem vantagens estratégicas importantes na área de mudança de uso do solo, de energia e na possibilidade de mitigação de emissões. Mas, ao mesmo tempo, têm vulnerabilidades que precisam ser trabalhadas pela sociedade e pelos governos municipais, estaduais e federal. Temos questões científicas importantes na construção de uma sociedade sustentável com emissão zero de gases de efeito estufa.”
Patrícia Iglecias
A diretora-presidente da CETESB, Patrícia Iglecias, ressaltou a importância da realização dessa discussão, tendo em vista que aqueles que não participaram da COP27 podem não ter acompanhado de perto as discussões. “E mais do que isso, poderemos avançar nessa agenda, após uma reunião tão importante como a que aconteceu no Egito.”
Ela salientou que o Paquistão é um dos exemplos do foco que foi dado para o estabelecimento de um fundo de perdas e danos, por ser um caso emblemático. “Um a cada sete habitantes foi afetado por chuvas extremas. Estamos falando de mais de seis milhões de pessoas que precisaram de ajuda humanitária.”
Segundo ela, há muito tempo já se trabalhava o conceito de justiça climática para superar a litigância climática, que envolve ações que são movidas para obter reconhecimento da ocorrência de perdas e danos. “Embora tenhamos ficado aquém em termos de resultados, porque queríamos uma COP de implementação, entendo que o estabelecimento do fundo para ajudar países vulneráveis já é um ganho.”
A executiva considera que a partir de agora será possível trabalhar para definir de onde virão os recursos e como serão aplicados de forma efetiva para os países que de fato necessitam. “Estamos trazendo à luz a ideia de justiça climática sem a necessidade de promover uma ação, de haver uma litigância climática, o que é extremamente penoso para esses países.”
Patrícia Iglecias também abordou a questão da inclusão das energias renováveis no debate da COP. “O grande desejo seria a eliminação dos combustíveis fósseis, que não ocorreu. Mas com um reforço nas energias renováveis sabemos que o papel do Brasil passa a ser cada vez mais relevante, porque trabalhamos há anos essa questão, em especial quanto ao setor sucroenergético, com o etanol e o etanol de segunda geração. Podemos avançar nessa agenda e apresentar soluções para os demais países. Esse é um elemento chave para colocar o Brasil numa posição central nos próximos anos para a agenda climática”, avaliou.
A partir dos resultados da COP27, ela mencionou que a CETESB, como órgão ambiental do Estado, trabalha não apenas no planejamento para o futuro, mas na implementação agora. ‘Realizamos uma série de eventos nessa COP, mas nosso trabalho começou fortemente em 2019, às vésperas da COP de Madri, quando pensamos como um governo subnacional poderia ter uma atuação mais efetiva, deixando de lado apenas o comando e controle, e passando a trabalhar com incentivos para a redução das emissões. Não bastava pensarmos em como fazer compensações no futuro, sabíamos que para avançar nessa agenda dependíamos também de mitigações.”
Acordo Ambiental São Paulo
Nesse contexto, a CETESB desenvolveu o Acordo Ambiental São Paulo, que incentiva as empresas a aderirem, de forma voluntária, ao compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030. “O resultado da COP nos leva a trabalhar com a sociedade buscando uma mudança de postura. Isso vale para os setores privado e público e para o segmento acadêmico. A busca da construção de uma consciência coletiva para uma necessária mudança, que não seja baseada apenas em normas, comando e controle. Foi com essa lógica que criamos o Acordo Ambiental São Paulo.”
A presidente destacou que o papel da CETESB também envolve a qualidade de vida das pessoas. “Dentro dessa lógica, temos trabalhado com Câmaras Ambientais dos mais diversos temas, para construir em conjunto com o setor privado soluções para o nosso Estado. Estabelecemos regramento para que as reduções de gases de efeito estufa pudessem gerar informação anual, para serem encaminhadas à CETESB, utilizando metodologia própria, desenvolvida na Câmara Ambiental de Mudanças Climáticas, para que as empresas possam reportar como estão reduzindo as emissões de gases de efeito estufa no Estado de São Paulo.”
Iniciado em 2019 com 55 aderentes, o Acordo Ambiental São Paulo conta atualmente com a adesão de 1.660 aderentes, empresas de todos os portes e mais de 100 municípios, que representam 70% da população paulista.
“Embora não tenhamos avançado na COP27 nas ações e metas que evitem o aumento da temperatura, não podemos abandonar essa agenda. Essa conexão é importante para que possamos orientar os municípios quanto aos próximos passos. É possível trabalhar construindo uma agenda de descarbonização em conjunto com o setor privado”, enfatizou.
Segundo ela, os eventos realizados na COP27 foram pautados pela parceira junto à Academia. “Não podemos deixar de conectar as necessidades das políticas públicas com aquilo que estamos fazendo no âmbito da Academia e com o apoio que a FAPESP pode dar para as pesquisas que estão sendo realizadas. No caso da USP, criamos o programa USP Sustentabilidade com 33 bolsas de pós-doutorado. O objetivo é conectar o que é feito na CETESB com o que é pesquisado na universidade. Estamos avançando nessa agenda para que as necessidades que temos nas políticas públicas possam garantir avanço na questão climática.”
Patrícia Iglecias concluiu sua apresentação afirmando que essas ações são bastante práticas. “Se replicarmos iniciativas desse tipo em outras regiões do país, teremos resultados positivos para apresentarmos na agenda climática. O próprio programa da ONU reconhece que essa iniciativa capitaneada pela CETESB é uma das maiores de um governo subnacional. Então, vamos continuar conectando tanto o setor público, privado e Academia para desenvolver novas ações, sem que seja preciso recorrer ao comando e controle para avançarmos nessa agenda, temos muito a explorar nas ações conjuntas.”
Frustração
O físico e ambientalista Délcio Rodrigues trouxe a visão de um membro da sociedade civil. “Sempre precisamos ter em mente que quanto mais emissões liberarmos para atmosfera, maior será a necessidade de investimentos e gastos para a adaptação, e maior será a necessidade de compensar perdas e danos às populações mais vulneráveis. Assim como a mitigação, ou seja, a redução de gases de efeito estufa, custa menos que nos custará a adaptação e a compensação de perdas e danos dos mais vulneráveis. Isso precisa sempre estar em mente quando fazemos análise da negociação internacional sobre as mudanças climáticas.”
Segundo ele, desse ponto de vista, a COP27 deixou algumas frustrações. “Não conseguimos chegar a um acordo para a redução gradual dos combustíveis fósseis. “Em Glasgow, pela primeira vez conseguimos colocar que os países fariam uma redução gradual da queima de carvão. No Egito, esperávamos que acrescentassem ao texto a redução gradual de todos os combustíveis fósseis, mas isso não ocorreu. Talvez, a presença de mais de 600 lobistas da indústria de petróleo, gás e carvão tenha influenciado o resultado. Portanto, do ponto de vista das emissões, que é o mais relevante para a questão climática, essa COP foi uma frustração.”
“Não vejo nenhum caminho que proporcione a redução global dos gases de efeito estufa.”
Por sua vez, pesquisador Sênior do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Jean Ometto destacou o papel da ciência nesse processo de discussão. “O engajamento de diversos atores e setores da sociedade é importante para atender às demandas colocadas pelas mudanças climáticas, que são urgentes e precisam da ciência para que as informações possam ser lastreadas.”
Ele informa que pesquisa recente apontou que 97% das pessoas consideram que a mudança climática existe e que precisamos lidar com ela. “Estamos caminhando para outra configuração climática do planeta. A mudança climática tem impactos, intensidade e danos diferenciados, pois depende da vulnerabilidade de cada contexto.”
Já o professor e pesquisador da UNICAMP Gilberto Jannuzzi salientou que o papel dos governos subnacionais é muito importante, mas os governos nacionais também precisam cumprir seu papel. “Aproveitar as vocações regionais é bastante relevante. Um exemplo é o Plano de Ação Climática (PAC 2050) de São Paulo, coordenado pela secretaria estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, que está em consulta pública e é importante que sejam feitas contribuições por escrito”, disse.
O documento apresenta rotas para uma economia de baixo carbono com objetivos intermediários que devem ser atingidos até 2030. Temos de olhar as desigualdades sociais, é um plano de desenvolvimento para uma economia de baixo carbono. Não formula políticas públicas, mas orienta para adoção de medidas até 2050.”
Texto: Cris Olivette
Printes: José Jorge Neto