O desafio é conciliar desenvolvimento econômico e proteção à biodiversidade
A problemática que envolve a relação entre o segmento de transportes e a Fauna está sendo discutida na 1ª Conferência brasileira sobre Impacto dos Transportes na Fauna. Iniciado em 3/11, o evento, de forma inédita em âmbito nacional, será encerrado em 9/12, com mesas-redondas ocorrendo sempre às quartas-feiras, entre 17h e 19h.
No primeiro encontro, os participantes abordaram, de forma sucinta, os impactos provocados pelos modais: rodovias, ferrovias, aeroportos, portos e hidrovias. No decorrer do evento cada tópico será aprofundado, a cada mesa-redonda.
A abertura da conferência foi feita pelo diretor de Avaliação de Impacto Ambiental da CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, Domenico Tremaroli. “Consideramos que os empreendimentos de transportes são relevantes para o desenvolvimento econômico do estado, mas a atividade pode causar diversos impactos na biodiversidade. Essa discussão, dentro da CETESB, começou com ênfase na destinação de carcaças de animais atropelados, mas evoluiu para aspectos mais importantes, como a proteção dos usuários e da fauna.”
Tremaroli lembrou que o assunto envolve uma série de atores das áreas de transportes e de avaliação de impactos ambientais, como biólogos, engenheiros, veterinários, advogados representantes de agências públicas reguladoras, polícias rodoviária e ambiental, entre outros.
O diretor destacou a importância da cooperação com a REET Brasil – Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes, “que foi um parceiro espetacular para que esse evento ocorresse”, concluiu.
Gerente da Divisão de Avaliação de Empreendimentos de Transportes da CETESB e moderador do evento, Rodrigo Cunha contou que realizaram inúmeras reuniões para que a conferência tivesse uma abordagem ampla. “Nosso principal foco de pesquisa está nos empreendimentos rodoviários. Com a realização dessa conferência queremos aprofundar as discussões e dar ênfase ao estudo dos demais modais. Outro objetivo é divulgar o que já fazemos e agregar ideias novas ao tema, inclusive apresentando as experiências de dois convidados europeus”, destaca.
Para Patricia Iglecias, diretora-presidente da CETESB, “a realização do 1o. congresso brasileiro levou em conta a necessidade de mostrar à sociedade a importância do cuidado com a fauna nos diversos modais de transporte. A CETESB, a partir do diagnóstico e dos dados, vem aprimorando cada vez mais o licenciamento das atividades de forma a reduzir tais impactos na fauna e cumprir sua função social de garantir a proteção do meio ambiente no âmbito das atividades econômicas desenvolvidas no estado.”
Assessora da Diretoria de Avaliação de Impacto Ambiental da CETESB, Renata Ramos Mendonça iniciou a mesa-redonda que teve como tema ‘fauna em rodovia, dados de atropelamento e destinação’. “A partir da Decisão de Diretoria nº 141/2018, da CETESB, que equivale a uma instrução normativa do IBAMA, todas as operadoras e concessionárias das rodovias do estado de São Paulo são obrigadas a preencher uma planilha informando a data, o local, a espécie do animal atropelado e se houve óbito. A coleta de dados começou em janeiro de 2019.”
Segundo ela, até o primeiro semestre de 2021 houve 150 mil registros, sendo 50% referente a atropelamento de animais, 30% de animais afugentados, que não sofreram acidente, mas representam risco potencial. As demais são ocorrências não identificadas. “Metade dos animais atropelados são domésticos, principalmente, cachorros e gatos, a outra metade são animais silvestres, com destaque para capivara, tatu, gambá e cachorro-do-mato.”
Renata salienta que a coleta de dados fez com que as concessionárias tomassem medidas, como mapeamento de trechos de alto índice de atropelamento e proposição de medidas mitigadoras, mapeamento de áreas de restrição do enterramento, capacitação de pessoal para identificação e manejo de fauna silvestre em rodovias, elaboração de manual para identificação de espécies, além de campanhas de conscientização com a população lindeira sobre a importância e guarda responsável de animais domésticos, por meio de panfletagem.
Presidente da REET Brasil, Clarissa Rosa afirma que mesmo sendo uma instituição jovem, fundada em 2019, a REET sempre teve a intenção de fazer um grande evento nacional. “É uma honra que o primeiro evento seja em parceria com a CETESB. Nossa missão é promover, defender e difundir informações técnicas aos nossos 245 associados, a maioria formada por estudantes ou profissionais da área de biologia. Entre os associados, temos pesquisadores, consultores e gestores ambientais, que trabalham com ecologia de transporte.”
Clarissa afirma que a área deu um grande salto nos últimos 15 anos. “O Brasil talvez seja o que mais evoluiu. Queremos discutir sobre todos os modais e manter contato com pessoas de todas as regiões do país porque grande parte das pesquisas ainda está concentrada nas regiões sul (12%) e sudeste (40%). Nossa ideia é trabalhar em núcleos regionais para depois trocar informações como um todo.”
Segundo ela, a Rede já lançou diversos manifestos públicos apresentando a opinião técnica da REET sobre assuntos polêmicos. “A principal função que temos cumprido é de abrir diálogos e temos conseguido desenvolver boas ideias em conjunto.”
As ferrovias representam um modal incipiente no que se refere a dados de pesquisa. “Entre 1990 e 2014, dentre todos os estudos que foram feitos abordando os impactos dos modais de transporte em todos os países do mundo, apenas 6% trataram de ferrovias, a predominância é de rodovias”, diz a pesquisadora e pós-doutoranda em Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, que atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS), Fernanda Teixeira.
A pesquisadora afirma que esse modal é negligenciado e que o tema ecologia de ferrovias teve a primeira publicação em 2017. “As pessoas podem pensar – mas os trens só passam de vez em quando. Esse fato, no entanto, não impede danos à fauna. Em alguns casos, os animais ficam presos aos trilhos, também temos relato de um trem que matou 270 antílopes que estavam migrando.”
Segundo ela, a malha viária brasileira tem apenas 30 mil km, mas está em expansão. “Há uma série de projetos de ampliação de ferroviárias em andamento. Esse tema requer mais trabalho e conhecimento sobre os impactos e como mitigá-los. Estimativas indicam fatalidades de dez mil anuros (sapos, pererecas e rãs) na estrada de ferro Carajás. E a ocorrência de 4.286 fatalidades de mamíferos ao longo de 23 meses na malha Norte.”
Em relação à aviação, a sócia-diretora na ProHabitat e integrante da diretoria REET Brasil e da World Birdstrike Association, Mariane R. Biz Silva diz que esse também é um modal que não possui muitos estudos no Brasil, que tem menos de 2% de pesquisas realizadas na área. “O país possui 2,5 mil aeródromos registrados pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Somos a segunda nação em número de aeroportos e ocupamos o terceiro lugar no mercado de aviação doméstica. Temos estimativas de que ocorram duas mil colisões por ano, mas apenas 20% são reportadas, porque muitas não são nem percebidas.”
Enquanto no Brasil os animais que mais causam problemas nos aeroportos são cães, capivaras e aves, nos Estados Unidos, as ocorrências envolvem veados e ursos. “Muitos aeroportos estão próximos a áreas de proteção ambiental e a exposição ao ruído constante deixa a fauna em estado de alerta, provocando estresse, redução de fertilidade e morte.”
Ela afirma que os aeroportos possuem uma pirâmide de ações mitigadoras para evitar coalisão com animais. “A base é a modificação de ambiente para não atrair animais. Afugentamento da fauna, bloqueio de acesso ao foco atrativo (gramados, por exemplo), captura dos animais e por último o abate, mediante autorização de órgão ambiental. Precisamos treinar mais pessoas para atuar nessa área.”
A mesa-redonda foi encerrada pelo diretor técnico da empresa Falco Ambiental e secretário geral da REET Brasil, Helio Secco, que falou sobre Portos e Hidrovias. “Os estudos sobre esses modais ainda estão sendo construídos no Brasil. Temos dois importantes portos marítimos: Santos e Paranaguá. E dois portos continentais: Santarém e Manaus. Cada um tem sua particularidade e ecossistema que respondem de forma distinta à operação desses modais.”
Helio destaca que os grupos mais sujeitos à influência das estruturas portuárias são: plâncton, néctons marinhos de diferentes portes, recifes de corais e bentos de diferentes tamanhos. Além de aves aquáticas e migratórias, invertebrados, peixes, mamíferos e tartarugas. “Os bentos são excelentes bioindicadores ambientais, quanto maior o distúrbio menor a diversidade desses organismos.”
Ele ressalta que realizar monitoramento da fauna é uma ferramenta importante para evitar, mitigar e compensar a potencial perda de biodiversidade. “É essencial gerar base de conhecimento diante da perspectiva de expansão do número de portos, porque temos potencial enorme a ser explorado nas hidrovias e costa. Com esses dados é possível escolher locais menos impactantes para que não haja perda significativa da biodiversidade.”
Segundo ele, após a instalação de uma estrutura portuária, é preciso seguir um programa de monitoramento e recuperação da comunidade bentônica que deve ser fomentado pelo empreendimento. “Vivemos uma fase de parcerias com iniciativas privadas para que estruturas portuárias sejam recuperadas e ampliadas, seguindo protocolos de proteção à fauna.”
Texto: Cris Olivette
Fotos: Pedro Calado
Revisão: Cris Leite