Na mitologia grega, Helios, personificação do Sol, e cujo nome procede do astro, era uma divindade de importância relativamente menor entre o panteão dos deuses do Olimpo. O seu culto só ganhou força na antiguidade tardia, período de domínio romano sobre a península balcânica, graças à sua identificação com outras divindades solares como Apolo. Somente no século IV da era cristã, quando o imperador Juliano promoveu o renascimento das tradições romanas, Helios se tornou a figura central das práticas religiosas.
De forma análoga, o elemento químico que deriva seu nome da mesma fonte que o deus, o hélio, também teve uma descoberta relativamente tardia, especialmente levando-se em conta que se trata do segundo elemento mais abundante do universo observável. A primeira evidência de sua existência só foi constatada em 18 de agosto de 1868, na forma de uma linha amarela brilhante, no comprimento de onda de 587,49 nm no espectro da cromosfera do Sol, observada pelo astrônomo francês Jules Janssen durante um eclipse solar total em Guntur, Índia. Embora inicialmente se houvesse assumido que essa linha espectral fosse emitida pelo sódio, em 20 de outubro do mesmo ano, o astrônomo inglês Norman Lockyer determinou que ela era causada por um elemento ainda desconhecido, que ele, juntamente com o químico Edward Frankland, batizou de hélio, palavra grega que significa Sol.
Contudo, somente em 26 de março de 1895, o químico escocês Sir William Ramsay foi capaz de isolar hélio na terra através do tratamento de cleveíta (uma variedade de uraninita com pelo menos 10% de elementos de terras raras) com ácidos minerais. Ele estava procurando por argônio, mas, depois de separar nitrogênio e oxigênio do gás liberado pelo ácido sulfúrico, ele notou uma linha espectral amarela brilhante que era compatível com a observada no espectro do Sol. No mesmo ano, os químicos Per Teodor Cleve e Abraham Langlet conseguiram coletar uma quantidade suficiente do gás para determinar seu peso atômico.
Pertencente à família 18 da tabela periódica, conhecida como a família dos gases nobres, o hélio é assim chamado por sua baixa reatividade e por aparecer comumente na natureza, assim como seus congêneres, na forma de átomos isolados, e raramente formar compostos com outros elementos. O átomo de hélio é composto de dois elétrons ligados pela força eletromagnética a um núcleo contendo dois prótons junto com um ou dois nêutrons, dependendo do isótopo. Da perspectiva da mecânica quântica, o hélio é o segundo átomo mais simples de se modelar. O arranjo do hélio-4, com um par de elétrons, um de prótons e um de nêutrons, é extremamente estável para todas essas partículas, o que se reflete em muitas propriedades cruciais do hélio na natureza, como a sua inércia química e a pouca interação dos átomos de hélio entre si, produzindo os pontos de ebulição e fusão mais baixos de todos os elementos.
Da mesma forma, a estabilidade energética do núcleo do hélio-4 é responsável pela facilidade de produção desse isótopo em reações atômicas que envolvem emissão de partículas pesadas ou fusão. Isso explica porque, nos primeiros minutos após o Big Bang, quando a sopa primordial de prótons e nêutrons livres se resfriou a um ponto que permitiu a ligação nuclear, quase todos os primeiros núcleos atômicos compostos a se formar foram núcleos de hélio-4, com quase todos os nêutrons do universo presos nesses núcleos. Todos os elementos mais pesados, incluindo aqueles necessários para a formação de planetas rochosos como a terra, ou para a vida baseada em carbono, foram criados após o Big Bang em estrelas quentes o bastante para provocar a fusão do próprio hélio. Assim sendo, quando se menciona o tão conhecido chavão de que nós todos somos “poeira de estrelas”, o que se quer dizer é que praticamente todos os átomos que compõem nossos corpos, bem como todas as coisas que estão presentes ao nosso redor, um dia, possivelmente há bilhões e bilhões de anos, se originaram no interior de estrelas a partir de complexas reações de nucleossíntese que têm na fusão do hélio a sua etapa mais crucial.
Um elemento tão importante quanto o hélio, que constitui 23% da matéria ordinária do universo, e sem o qual seria impossível a existência de quaisquer estruturas químicas mais complexas, também possui grande relevância na sua forma nativa, com aplicações nas mais diversas atividades humanas. Extraído principalmente por meio da destilação fracionada do gás natural, que pode conter até 7% de hélio, sua utilização vai muito além dos balões e dirigíveis inflados com o gás que, por ter menor densidade do que o ar, permite sua flutuação na atmosfera. O hélio também é utilizado para muitos propósitos que requerem uma de suas propriedades singulares, como seu baixo ponto de ebulição, baixa densidade, baixa solubilidade, alta condutividade térmica, ou baixa reatividade. Cerca de 32% do total de hélio produzido no mundo é utilizado em aplicações criogênicas. Ele também é amplamente usado para pressurizar e purgar sistemas, soldagem, manutenção de atmosferas controladas, e detecção de vazamentos.
A exemplo de seu deus homônimo, que avançou da obscuridade para o cerne da religião romana, o hélio, completamente desconhecido durante boa parte da etapa de desenvolvimento da química moderna, tardiamente veio a adquirir um papel central na compreensão das origens do universo. Do surgimento dos primeiros átomos após o Big Bang até a formação de elementos pesados dentro das estrelas, do seu descobrimento na linha espectral da luz solar até suas mais modernas aplicações tecnológicas, a importância singular do hélio permite estima-lo como o mais nobre dos gases.
Texto: Qui. Gustavo Barbosa Ferreira