As bicicletas já não são veículos de uso exclusivo de crianças e adolescentes em suas brincadeiras ou em rápidos deslocamentos até a casa de amigos. Cada vez mais, adultos – homens e mulheres – estão usando as “magrelas” como meio de transporte, em substituição aos carros. É verdade que as bicicletas ganharam um apelido mais moderno, “bikes”, mas a função é a mesma.
Antigamente, nos bairros mais afastados, trabalhadores que não podiam comprar um automóvel utilizavam as “magrelas” em seu dia a dia. Depois, a elevação do poder aquisitivo e a facilidade de crédito fizeram com que a frota de automóveis em São Paulo saltasse de 3,42 milhões, em 2004, para 5,05 milhões, em 2014, mas isso, paradoxalmente, fez com que aumentasse o número de “bikes” nas ruas.
Estimulados pela busca de qualidade de vida, consciência ambiental e para fugir dos congestionamentos, temos hoje cada vez mais executivos, médicos, secretárias e outros profissionais pedalando nas ruas. Na Cetesb, é a mesma coisa. Todos os dias, cerca de 50 funcionários chegam logo de manhã em suas bicicletas, lotando os dois bicicletários existentes na sede, em Pinheiros.
O casal Agnaldo e Joenice faz parte desse grupo. Todos os dias, eles vêm de sua residência na Vila Leopoldina, vencendo os cinco quilômetros em cerca de 20 minutos, utilizando exclusivamente as ciclovias da região. E aguardam, ansiosamente, a conclusão dos pouco mais de 200 m para a ciclovia chegar em frente à Cetesb.
Nem todos têm a mesma sorte. Vitor de Lima Costa, geofísico, oito anos na Cetesb, trabalha no Setor de Avaliação e Apoio ao Gerenciamento do Uso do Solo. Mora em Pinheiros, a apenas dois quilômetros do local de trabalho, e há dois anos faz o trajeto de bicicleta. Para vir é “moleza”, leva só sete minutos, mas para voltar para casa tem de enfrentar uma subida que o faz gastar o dobro do tempo. Além disso, metade do trecho é em ciclovias e a outra metade em ruas comuns.
Jesuíno Romano, químico, 38 anos na Cetesb, já há alguns anos alterna o uso de carro e de bicicleta para vir ao trabalho. São três quilômetros, dez minutos para vir, mas 25 minutos para voltar. “Prá vir é só descida, eu nem suo, mas para voltar é só subida e subidona”, diz.
Qualidade de vida
Todos são unânimes em dizer que o uso de bicicletas, deixando de lado a vida sedentária de motoristas de automóveis, dá novo ânimo e mais disposição para o dia a dia de trabalho. É o que diz Agnaldo Ribeiro Vasconcellos, 56 anos, 41 na Cetesb, há 13 anos no Setor de Atendimento a Emergência. Químico, está fazendo mestrado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), na Universidade de São Paulo (USP).
“Quando vinha de carro, às vezes, em dias de chuva ou em dias de congestionamento, levava 40 minutos ou mais para chegar à Cetesb, sem contar o mau humor, o “stress”, a dificuldade para estacionar e tudo o mais.” Junto com a esposa, Joenice Barreto Matos Vasconcellos, do Setor de Engenharia, tecnóloga em construção civil, com pós em Gestão Ambiental, 23 anos na Cetesb, vem pedalando praticamente todos os dias, faça chuva, faça sol.
“Com a ciclovia pronta, senti-me estimulada a vir de bicicleta para o trabalho”, explica Joenice. Ciclista ocasional, a Jô, como é conhecida, morou um ano em Tokushima, no Japão, em um treinamento oferecido pela Secretaria do Meio Ambiente. Lá, aprendeu a usar a bicicleta como meio de transporte: “Fazia praticamente tudo de bicicleta, lá, eu era respeitada como ciclista, curti pedalar”.
O casal investiu cerca de R$ 3 mil nas “bikes”, incluindo roupas coloridas, capacetes, sinalizadores, pois “é preciso ficar bem visível para os motoristas, por uma questão de segurança”.
Para Vitor Costa, a bicicleta faz parte da sua rotina, desde a infância em São José do Rio Pardo, onde nasceu. Desde cedo, utilizou muito esse meio de transporte e, quando tem oportunidade, pratica corrida de aventura. “É um triátlon na natureza, num percurso de 35 km, sendo 20 de bicicleta, 10 de corrida a pé e mais cinco remando em caiaque”.
Mudança de conceitos
Jesuíno usava a bicicleta antes mesmo da Prefeitura de São Paulo começar a implantar ciclovias. É inteiramente favorável ao plano de dotar a cidade com 400 km de vias para bicicletas, dos quais 356,8 km já estão prontas.
“O mais importante nisso é que estamos mudando a relação da população com a cidade, estabelecendo um novo conceito de ocupação dos espaços urbanos”, explica o químico. “O fechamento do Minhocão e da Paulista ao trânsito de veículos, nos finais de semana, mostra como os paulistanos interagem com a cidade, fazendo aflorar o lado humano que estava amortecido, escondido dentro dos carros com os vidros fechados”, completa.
“O uso da bicicleta vai além do prazer, envolve a questão da mobilidade, muda o comportamento político do cidadão, que passa a ocupar o espaço antes exclusivo dos carros, e passa a exigir mais do executivo, mais transporte coletivo”, afirma Joenice. E ela cobra uma sinalização mais adequada, um mobiliário urbano planejado para o uso de bicicletas.
Lembra ainda que são poucas as mulheres que vêm trabalhar na Cetesb de bicicleta. “É, talvez, uma questão cultural, mas isso também está mudando”, diz Joenice que, às vezes, vem de saia, com shortinho por baixo. “Tiro o salto alto, coloco na cestinha e pedalo com sandálias”, finaliza.