Mais de meio século depois, Minamata carrega ainda o estigma da contaminação por mercúrio que, passando de geração para geração, afetou milhares de pessoas, causando a morte de 1.408, além de outras 2.264 que, após longa batalha judicial, foram formalmente reconhecidas pelo governo japonês como vítimas da doença e recebem tratamento e compensação financeira.
Segundo o Centro de Apoio para Doença de Minamata – Soshisha
, existem atualmente cerca de 17 mil solicitações de pessoas que pleiteiam ser reconhecidas como “pacientes de Minamata”, no processo conhecido como certificação.
Foi esse episódio que inspirou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA a criar a Convenção de Minamata, em 2009, com o propósito de promover a regulação da importação, exportação e o uso do mercúrio, como medida para prevenir a contaminação do meio ambiente.
O Brasil, um dos 128 signatários da convenção, vem alinhando esforços com os demais países para controlar e banir o uso desse composto em diversas atividades. Nesse cenário, a CETESB se destaca com ações de monitoramento em águas e sedimentos, pesquisas e treinamento. Além disso, está se preparando para apoiar o cumprimento da Convenção de Minamata, da mesma forma como tem representado a Convenção de Estocolmo sobre POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes), oferecendo assistência técnica e promovendo a transferência de tecnologia para os países da América Latina e Caribe.
Com essa finalidade, dispõe de vários especialistas no assunto. Entre eles, o químico Gilson Alves Quináglia, gerente do Setor de Análises Toxicológicas, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo – USP. Quináglia representou o Brasil no curso sobre a Convenção de Minamata organizado pela JICA – Agência Internacional de Cooperação do Japão, no final do ano passado.
“Uma experiência enriquecedora”, disse referindo aos quase 30 dias passados no Japão, a maior parte em Minamata, na Província de Kumamoto, onde a empresa Chisso Corporation começou a produzir, em 1932, acetaldeído – matéria-prima para produção de plástico – utilizando o mercúrio como catalisador no processo industrial. Durante anos, os resíduos foram lançados na baía contaminando os organismos aquáticos, consumidos pela população.
“Só em 1956 é que se oficializou a chamada Doença de Minamata, quando uma garota de cinco anos foi examinada por causa de problemas neurológicos, com dificuldades motoras e na fala”, explica. Outros casos foram aparecendo fazendo com que o diretor de um hospital reconhecesse oficialmente que havia uma epidemia de uma doença desconhecida, que afetava o sistema nervoso.
Em 1968, o governo japonês admite oficialmente que o lançamento de mercúrio na forma orgânica – metilmercúrio – e a sua incorporação na cadeia alimentar, especialmente os peixes, foi o causador da doença.
Hoje, a Baía de Minamata foi totalmente recuperada com 58 hectares de sua área aterrada e transformados em parque. Segundo dados oficiais, foram retirados do local cerca de 1,5 milhão de metros cúbicos de sedimento e lodo contaminado com mercúrio. Desse volume, aproximadamente 100 toneladas de mercúrio total foram retiradas do fundo da baía. O custo da obra, ao longo de 13 anos, foi de aproximadamente US$ 400 milhões.
“O mercúrio está presente em nosso cotidiano em diversas formas, em baterias, lâmpadas fluorescentes, cosméticos, pesticidas, amálgamas dentárias e outros produtos”, alerta o especialista. No Brasil, o lado visível do problema são os garimpos ilegais na Amazônia que ainda utilizam o mercúrio como amálgama para separar o ouro das impurezas. Mas existem inúmeras outras fontes, cujas emissões precisam ser controladas conforme preconiza a Convenção de Minamata, estabelecendo normas para a produção, manufatura, importação e exportação desse elemento químico, entre outras medidas.
Segundo Quináglia, a CETESB já está fazendo “a sua lição de casa” cumprindo, por exemplo, o artigo 14 da convenção que trata da capacitação, assistência técnica e transferência de tecnologia. A sua participação no curso organizado pela JICA faz parte desse processo, preparando especialistas para abrigar o Centro Regional da Convenção de Minamata.
Em fevereiro, a CETESB recebeu representantes da Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Nicarágua e Costa Rica, além de representantes de diversas instituições de vários Estados brasileiros, para um treinamento sobre gestão ambiental de produtos químicos e seus resíduos, focando especialmente os poluentes orgânicos persistentes e mercúrio.
Quináglia, que foi um dos docentes desse curso, aplicou os conhecimentos adquiridos no Japão. Uma das atividades propostas e que despertou muita curiosidade entre os alunos foi a coleta de cabelos para análise do nível de exposição de contaminação por mercúrio.
“Todos doaram cerca de dez fios de cabelo que foram analisados em nosso laboratório. Todos apresentaram níveis baixíssimos de mercúrio, abaixo de 1 ppm (parte por milhão). Para se ter uma ideia, em Minamata, na época em que se constatou o problema da contaminação, os japoneses apresentavam índices superiores a 300 ppm, chegando a até 920 ppm.” Para mais informações sobre mercúrio em cabelo acesse www.nimd.go.jp.